Café Central > Literatura

"Delenda Est Cartago" - Por Gilbert Keith Chesterton

(1/1)

Ricardo2010:

Do outro lado do mar, erguia-se uma cidade que tinha o nome de Vila Nova. Era chamada de nova porque era uma colônia, como Nova York ou Nova Zelândia. Sentinela avançada da expansão fenícia, aprazia-se em afirmações de uma sonoridade metálica e repetia, orgulhosamente, que ninguém poderia lavar as mãos no mar, sem licença de Vila Nova. Herdara de Tiro e Sidon suas prodigiosas aptidões comerciais e uma perfeita ciência na arte da navegação.

Em Vila Nova, que os romanos chamavam de Cartago, o deus que punha os negócios em marcha, chamava-se Moloch, o mesmo, quiçá, que encontramos noutra parte com o nome de Baal, o Senhor. Os adoradores de Moloch não eram nem primitivos nem grosseiros. Sua civilização era, pelo contrário, suntuosa, madura, refinada, e muito superior, nas artes da vida, à dos romanos.

E Moloch não era um mito. Sua comida, pelo menos, nada tinha de mítico nem de fabuloso. Aquelas respeitáveis pessoas reuniam-se, efetivamente, para invocar aos céus que abençoasse seus frutíferos negócios, precipitando, na pira ardente, centenas de crianças...

Não foi uma derrota militar, uma rivalidade mercantil que encheu a imaginação romana com os presságios horrorosos de um transtorno da ordem natural do universo: foi Moloch, o deus Moloch, levantando por cima das colinas do Lácio a sua face espantosa; foi Baal, pisoteando as vinhas italianas com seus tacões; foi Tanit, a invisível, murmurando através de seus véus o chamamento de seu amor, mais espantoso que o ódio. Houve destruição de tudo que é doméstico e fecundo, de tudo o que é humano, sob o alento de uma desumanidade, comparada com a qual, a crueldade é humana. Os deuses do lar, silenciosos e trêmulos, se escondiam obscuramente sob o telhado de suas humildes moradas.

Os deuses estavam mortos e Roma, com suas águias prisioneiras e suas legiões despedaçadas, tinha perdido tudo, menos a honra e a coragem gelada de seu desespero. Nada no mundo ameaçava mais Cartago do que a própria Cartago. Os homens de negócios de Cartago, com o golpe de vista infalível que distingue os verdadeiros realizadores, viam claro na situação. Chegara a hora, pois, de por um freio aos generais e aos gastos gerais, isto é, às contínuas exigências de homens e de dinheiro daquele Aníbal.

Cartago caiu por ser fiel à sua própria filosofia. Moloch devorou a seus próprios filhos. Os deuses tinham se levantado e os demônios, fugido. Ninguém compreenderá plenamente o gesto de Roma, nem o destino que devia levá-la ao posto supremo, se não conservar toda a memória das horas de vergonha e de agonia, em que perseverou firme, no seu alto testemunho de possuir a alma sensata da Europa. Aos olhos dos homens, doravante, ela personificará a Humanidade, e já a ilumina o reflexo de uma luz, ainda invisível, encoberta pelos véus do futuro. Os desígnios da misericórdia divina são insondáveis para nós, mas um fato certo é que as lutas em que se empenhou a Cristandade teriam sido muito diferentes, se o império fosse vencido por Cartago. Graças ao triunfo de Roma, a claridade divina, na hora por ela escolhida, elevou-se sobre uma humanidade humana, a-pesar-de-tudo.

Qualquer que fosse a sua corrupção e a sua miséria, a Europa se livraria de piores destinos. Pois há grande diferença entre o ídolo de madeira, ao qual as crianças oferecem as migalhas de sua comida, e o ídolo gigante que, para saciar sua fome, devora crianças....

“Delenda est Cartago”.

Fonte: Blog do Angueth (LINK http://angueth.blogspot.com.br/2006/08/fragilidade-da-civilizao.html

EDIT: Texto editado, pois que o mesmo ficou um tanto quanto longo  :P

lamina:


As Guerras Púnicas e o emergir de Roma, a partir de 300 a.C como a maior cidade da Antiguidade. Aníbal e os seus elefantes entre tantas outras peripécias...

udrako:
Qart  hadasht (Nova Cidade) em fenício :)
Um bom livro sobre é um romance chamado Salammbô de Gustave Flaubert.
Um bom filme/documentário é Anibal - O Pior Pesadelo de Roma de 2006.

Navigation

[0] Message Index

Go to full version